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…chegou de repente a uma clareira. No meio havia uma casinha de cerca de um metro e vinte de altura. […]
[p.76]
Capítulo 6
Durante um ou dois minutos ficou diante da casa, perguntando-se sobre o que devia fazer, quando de repente surgiu um lacaio correndo de dentro do bosque […], o qual bateu ruidosamente à porta. Esta foi aberta por outro lacaio […] Alice ficou curiosíssima de saber o que se passava e esgueirou-se furtivamente do bosque para escutar.
O Lacaio-Peixe começou por retirar de debaixo do braço um enorme envelope, quase do seu tamanho, e entregou-o dizendo, em tom solene: – Para a Duquesa. Um convite da Rainha para jogar croquet. […]
A porta abria diretamente em cima de uma ampla cozinha, que estava cheia de fumaça de um lado a outro. A Duquesa estava sentada no meio, num tamborete de três pernas […] A cozinheira estava inclinada sobre o fogão, mexendo um caldeirão enorme que parecia cheio de sopa.
“Tem pimenta demais naquela sopa, com certeza” – disse Alice consigo mesma, enquanto espirrava.
E pelo menos no ar havia, certamente, muita pimenta. Até mesmo a Duquesa espirrava de vez em quando. […] As duas únicas criaturas na cozinha que não espirravam eram a cozinheira e um gato enorme sentado junto ao forno, que sorria de uma orelha à outra.
– Por favor, poderia me dizer – principiou Alice meio tímida, pois não tinha certeza se era bem educado falar primeiro – por que seu gato sorri daquele jeito?
– É um gato de Cheshire – respondeu a Duquesa – aí está. […]
– Não sabia que os gatos de Cheshire sorriam. Pra falar a verdade, nem sabia que os gatos podiam sorrir.
– Todos podem – disse a Duquesa – e a maior parte o faz.
– Não conheço nenhum que faça isso – argumentou Alice muito cortesmente, satisfeitíssima de ter começado uma conversa.
– Você não sabe muita coisa – disse a Duquesa. – Essa é que é a verdade.
[…]
[p. 77-79]
[No bosque]
[…] estacou algo surpreendida ao ver o Gato de Cheshire sentado num galho de árvore a alguns metros de distância.
O Gato apenas sorriu ao avistar Alice. Achou que ele parecia afável. Mas como tinha garras muito compridas e dentes bem graúdos, sentiu que devia tratá-lo com respeito.
– Gatinho de Cheshire – começou a dizer timidamente, sem ter certeza se ele gostaria de ser tratado assim: mas ele apenas abriu um pouco mais o sorriso. “Ótimo, parece que gostou”, pensou ela, e prosseguiu: – Podia me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui?
– Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não me importa muito onde… – disse Alice.
– Nesse caso não importa por onde você vá – disse o Gato.
– … contanto que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice como explicação.
– É claro que isso acontecerá – disse o Gato – desde que você ande durante algum tempo.
Isso Alice viu que era impossível negar. Tentou, pois, outra pergunta. – Que espécie de gente vive por aqui?
– Naquela direção – disse o Gato, apontando com a pata direita – mora um Chapeleiro. E naquela – acrescentou, levantando a outra pata – mora a Lebre de Março. Visite um ou outro, tanto faz: ambos são loucos.
– Mas eu não quero me encontrar com gente louca – observou Alice.
– Você não pode evitar isso – replicou o Gato – Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco. Você é louca.
– Como sabe que eu sou louca? – indagou Alice.
– Deve ser – disse o Gato – ou não teria vindo por aqui.
Alice achou que isso não provava coisa alguma. Em todo caso, continuou: – E você sabe que é louco?
– Pra começar – disse o Gato, um cachorro não é louco. Concorda?
– Acho que sim – disse Alice.
– Pois bem – explicou o Gato, um cachorro rosna quando está com raiva e abana a cauda quando está contente, compreende? Enquanto eu rosno quando estou satisfeito e balanço a cauda quando estou com raiva, está entendendo? Portanto eu sou louco.
– Não chamo isso rosnar, mas ronronar.
– Chame como quiser – disse o Gato. – Vai jogar croquet com a Rainha hoje?
– Gostaria muito – disse Alice – mas não fui convidada ainda.
– Você me encontrará lá – disse o Gato, e esvaiu-se no ar.
Alice não ficou muito surpreendida com isso, já que estava acostumada com esses acontecimentos esquisitos. Enquanto ainda contemplava o lugar de onde tinha sumido, ele surgiu de repente.
– A propósito, o que houve com o bebê? – disse o Gato. – Quase ia me esquecendo de perguntar.
– Transformou-se num leitão – respondeu Alice tranqüilamente, como se o Gato tivesse voltado de modo natural.
– Era o que eu pensava – disse o Gato, e esvaneceu-se outra vez.
Alice esperou mais um pouco, na expectativa de vê-lo ainda, mas ele não apareceu. Depois de algum tempo caminhou na direção onde morava a Lebre de Março. “Já vi chapeleiros antes – ela pensou.- A Lebre de Março deve ser mais interessante, e depois, como estamos em maio, talvez ela não esteja delirando… pelo menos não estará tão louca quanto em março.” Enquanto murmurava isso, levantou a vista e lá estava o Gato outra vez, sentado num galho de árvore.
– Você disse “leitão” ou “letão”? – perguntou o Gato.
– Eu disse “leitão” – respondeu Alice, acrescentando: – Gostaria que você não aparecesse ou sumisse tão de repente. Deixa qualquer um tonto.
– Está bem – concordou o Gato. – E dessa vez desapareceu bem devagarinho, começando com a ponta da cauda e terminando com o sorriso, que ainda ficou suspenso no ar algum tempo depois que o corpo tinha desaparecido. “Taí” – pensou Alice – “já vi muitos gatos sem sorriso. Mas sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida.”
[…]
[p. 82-84]
Capítulo 8
[No campo de crocket da Rainha]
Os jogadores jogavam todos ao mesmo tempo, sem esperar a vez, discutindo o tempo todo […]; e vez por outra, a curtos intervalos, a Rainha ficava possessa, batendo com os pés no chão e berrando a toda hora: – Cortem a cabeça dele! Cortem a cabeça dela!
Alice começou a sentir-se muito mal: na verdade, até então não tinha altercado com a Rainha, mas isso poderia acontecer a qualquer minuto, “e então” – pensava ela – “que será de mim? Essa gente aqui é doida pra cortar a cabeça dos outros: o que me admira é que ainda tenha alguém vivo!”
Olhou em volta procurando algum meio de escapar dali, e se perguntava se poderia sair sem ser vista, quando subitamente notou uma súbita aparição no ar: isso a princípio intrigou-a bastante, mas, depois de observar durante algum tempo, percebeu que era um sorriso, e disse para si mesma: “É o Gato de Cheshire. Agora tenho com quem conversar”.
– Como é que está indo? – perguntou o Gato, assim que teve boca suficiente para falar.
Alice esperou até que os olhos aparecessem, e então cumprimentou-o com a cabeça. “Não adianta falar com ele” – pensou – “até que as orelhas apareçam, pelo menos uma delas”. Logo a seguir apareceu a cabeça inteira. Alice pôs o flamingo no chão e começou a comentar o jogo, satisfeitíssima de ter alguém que a escutasse. O Gato parecia pensar que já estava visível uma parte suficiente do seu corpo, e nada mais apareceu além da cabeça.
[…]
– Que é que você acha da Rainha? – perguntou o Gato em voz baixa.
– Não sei não – disse Alice – ela é tão… – Exatamente nesse momento viu que a Rainha estava bem atrás dela, ouvindo tudo. Continuou então: – … hábil nesse jogo que nem sei se vale a pena continuar jogando.
A Rainha sorriu e se afastou.
– Com quem você está falando? – perguntou o Rei, caminhando na direção de Alice e olhando o Gato com grande curiosidade.
– É um amigo meu… um Gato de Cheshire – explicou Alice. – Permita-me que o apresente.
– Não gosto muito da aparência dele – disse o Rei – mas em todo caso pode me beijar a mão, se quiser.
– Preferiria que me dispensasse – observou o Gato.
– Não seja impertinente – disse o Rei – e não me olhe desse jeito! – Enquanto falava, ocultou-se atrás de Alice.
– Um gato pode olhar de frente um rei – disse Alice. – Li isso em algum lugar, não me lembro onde.
– Bom, ele tem de ir embora daí – decidiu-se o Rei, e chamou a Rainha, que passava por perto. – Minha querida! Quero que você faça esse gato desaparecer daqui!
A Rainha só tinha um meio de remover todas as dificuldades. – Cortem-lhe a cabeça! – gritou, sem voltar-se sequer na direção apontada.
– Eu mesmo vou buscar o carrasco – disse o Rei avidamente, e afastou-se às pressas.
Alice achou que o melhor seria voltar à sua posição e ver como o jogo se desenrolava, ao ouvir à distância a voz da Rainha, gritando enraivecida. Já a ouvira condenar três dos jogadores a serem executados, por terem perdido a vez. Não estava gostando nada do rumo das coisas, pois o jogo estava de tal modo confuso que ela nunca sabia se era ou não a sua vez. Saiu, pois […]
Ao retornar para junto do Gato de Cheshire, surpreendeu-se de ver uma verdadeira multidão em torno dele. O carrasco, o Rei e a Rainha falavam ao mesmo tempo, em acalorada discussão, enquanto todos os outros permaneciam em silêncio, bastante constrangidos.
Quando Alice apareceu, logo foi chamada para decidir a questão. Repetiram seus pontos de vista, mas, como todos falavam de uma vez, era muito difícil, na verdade, entender exatamente o que diziam.
O ponto de vista do carrasco era que não se podia cortar uma cabeça que não estava presa a um corpo. Nunca fizera tal coisa antes e não iria começar a essa altura da sua vida.
O ponto de vista do Rei era que qualquer um que tivesse cabeça podia ser decapitado, e tudo o mais era disparate.
O ponto de vista da Rainha era que se não resolvessem já alguma coisa, ela mandaria executar todo mundo em volta (essa última observação é que ensombrecera a todos, fazendo-os parecer tão sérios e ansiosos).
Alice não achou nada melhor para dizer do que: – Ele pertence à Duquesa, seria melhor perguntar a ela.
A Rainha voltou-se para o carrasco: – Ela está na prisão. Vá buscá-la. – O carrasco disparou como uma flecha.
No mesmo instante a cabeça do Gato começou a esvanecer-se, de modo que quando o carrasco voltou com a Duquesa, já tinha desaparecido totalmente. O Rei e o carrasco começaram a procurá-lo freneticamente por toda parte, enquanto o resto do grupo voltava para o jogo.
[p. 98-101]
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas.
Através do espelho e o que Alice encontrou lá.
trad. Sebastião Uchoa Leite.
São Paulo: Summus, 1980.
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O Gato de Cheshire ou Gato Sorridente é um gato fictício, personagem do livro Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll.
Ele se caracteriza por seu sorriso pronunciado e sua capacidade de aparecer e desaparecer.
No livro, o Gato, apesar de independente, pertence à Duquesa.
Também é chamado de Gato Risonho, Gato Listrado ou Gato Querri.
Carroll obteve seu nome na expressão idiomática da língua inglesa “sorrir como um gato de Cheshire”.
Nas figuras de Jonh Tenniel é considerado representativo da raça British Shorthair, devido à forma da boca, considerada como um sorriso.
Wikipedia
grin like a Cheshire cat [sorrir como um gato de Cheshire]
(idiomatic) To smile broadly, especially in a self-satisfied way.
[Sorrir de orelha a orelha…]
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