O violão do James Taylor



Violão do James Taylor

Meu amado violão – sabe-se lá que idade tem – há tempos mostra nítidos sintomas de braço empenado. Não afina direito. Nos trastes finais, as cordas estão mais altas do que pareceria normal (ou ao menos confortável). Há anos adio comprar um violão novo. E, se há que comprar um violão novo, que seja também um violão melhor.

O adiamento tem um lado sentimental: gente que se apega àquilo que foi boa companhia durante anos a fio, àquilo que tem história e boa memória. Assim é quem vos fala. Meu violão foi, inclusive, devidamente batizado: tem nome próprio, não é um violão anônimo. Foi herdado da minha irmã. Aprendi a tocar nele. Andou comigo pelas mudanças de cidade. Embora eu não entendesse nada de qualidade de violões, sempre suspeitei que não era um violão considerado… assim… “bom prá caramba”… Mas o que teria sido do meu tocar violão sem ele? E ruim demais, eu sinto que ele não é. E no peito dos desafinados também bate um coração.

O adiamento tem também o lado preguiçoso, estreitamente correlacionado ao lado infernal de comprar coisas. Comprar coisas tem um lado infernal porque você tem que entender minimamente o que há no mercado para chegar a critérios de tomada de decisão. E depois, adicionalmente, você tem que chegar a critérios de tomada de decisão. O que há no mercado costuma ser insuportavelmente múltiplo e confuso, ocupando tempos excessivos para você conseguir as referências iniciais para entender o suficiente para decidir. Isso sem mencionar o fator complicador da pesquisa de preços. É assim com celulares. É assim com aquecedores. É assim com muitas e muitas coisas. Não seria diferente com violões.

E acontece, por fim, que ter ascendente em Gêmeos, dizem alguns astrólogos, dificulta ainda mais a coisa naturalmente difícil que é tomar decisões complexas. Deve ter a ver com certo grau de exigência também, o que não sei se vem de brinde com o ascendente em Gêmeos, mas talvez sim, porque o planeta regente de quem tem ascendente em Gêmeos é Mercúrio, examinador atento, seja para análise (quando rege Virgem) seja para a síntese (quando rege Gêmeos). Um astrólogo disse que ser regido por um Mercúrio de Gêmeos impele especialmente a mergulhar em complexidades, até que se consiga desatar os principais nós, para simplificar sua compreensão. Mesmo que nem sempre se entre na complexidade com a total profundidade, mesmo que depois se passe a outra complexidade, sem chegar ao fundo mais fundo da anterior, nem à amplitude total de uma única coisa em particular. Triste sina de não dominar nada em total profundidade, eu acho, mas o astrólogo disse para não me exigir isso porque não é a minha praia, porque a sina de ascendente em Gêmeos é assim mesmo: maior abrangência panorâmica, menor profundidade numa coisa só.

Sobre o certo grau de exigência, explico melhor: difícil fechar os olhos e escolher qualquer coisa como se tanto fizesse. Não tanto faz. Jamais. Como não notar, por exemplo, que tem sons de instrumentos muito melhores que outros, que alguns são muito, mas muito mesmo, mais prazerosos de tocar? Não tanto faz não. Não é simples assim não. Além disso, normalmente não considero questões desse calibre bem resolvidas com opiniões alheias: “vou perguntar para fulano e seguir a recomendação”, e pronto. Não. A não ser quando a coisa não importa o suficiente para investir tempo em pensar muito nela. No geral, é preciso formar minha própria sensação-intuição para decidir. Até porque conservo muito bem aquilo que escolho bem e gosto. Um saber cuidar quase que intuitivo. Minhas coisas costumam durar impressionantemente. Mas cuidar demanda tempo e energia. Tempo e energia não são infinitos. Não se cuida bem de tudo e qualquer coisa, porque o tempo e a energia humanos são limitados. Quando dá problema, mando consertar, mesmo que fique quase tão caro quanto comprar um novo. Crio carinho, não me desfaço assim facilmente. Personalidade naturalmente avessa à filosofia consumista do descartável e da moda, de trocar sempre de celular, de computador, de carro, mesmo de roupas, avessa a dar bola para o mercado da rápida obsolescência. Se até com eletrônicos e roupas isso acontece, pode-se imaginar como é com um treco com tanta individualidade como um violão. Isso definitivamente não parece ter a ver com a fama de instabilidade e inconstância do ascendente em Gêmeos. Talvez resulte de uma combinação entre ascendente em Gêmeos e Lua em Touro e Vênus em Peixes. Desconfio, mas não sei bem, porque não sou astróloga. Mas eu já sabia que meu violão atual não era assim tão bom para ficar com ele por toda a vida. Nem sequer fui eu que escolhi. E talvez tenha chegado a hora dessa despedida.

Então comecei a tentar entender minimamente o que há no mercado – marcas, modelos, preços… – e criar meus critérios de escolha. Se você, como eu, mesmo tocando violão amadoristicamente há anos, nunca tinha comprado um violão por própria conta e risco, e não entendia porra nenhuma do assunto ‘tipos de violão’, provavelmente vai se surpreender tanto quanto eu com isto aqui: há violões que, não sendo feitos sob encomenda em superluthierias, podem custar coisas como R$ 14.000,00. Isso mesmo. Se não acredita, clicar aqui para ver com os próprios olhos o preço do violão clássico Takamine LTD 213. Então é assim: você tem em lojas comuns violões que vão de uns duzentos reais até esses valores que foram surpreendentes para mim. Apenas em parte eu já imaginava consideráveis oscilações de preço, claro, porque comprar alguma coisa sempre supõe fatores de confusão do tipo, invariavelmente.

Na internet, vi certo acordo sobre o seguinte: os preços dos violões normalmente indicam com boa precisão a qualidade deles. Entendi essa história mais ou menos da forma como tento explicar a seguir. Primeiro considerar a questão dentro de cada marca. Diferentes marcas têm violões de diferentes categorias, de modo que, além da marca mais ou menos cara, adiciona-se a questão mais fundamental da qualidade do modelo x ou y ou z dentro dessa marca. A enorme variedade de modelos é indicada com umas letras e números enigmáticos dentro de cada marca: modelo LTD 213, por exemplo, aquele caríssimo da Takamine. Por outro lado, o basicão sobre diferentes modelos tem categorias mais universais e compreensíveis – do tipo clássico, folk, jumbo, flat -, somadas a categorias como acústico ou eletroacústico (ou elétrico?, ou violão com captador ativo?, ver aqui). Tem uma boa explicação do basicão das  principais ‘categorias universais’ clicando aqui. De onde uma excepcional primeira decisão bem fácil: não me interessa um violão de 12 cordas.

Voltando à relação qualidade preço: um violão mais barato – seja clássico, folk etc – será quase certamente pior que um violão mais caro, pelo menos considerando a coisa dentro da mesma marca, seja ela Di Giorgio ou Takamine, dizem. Um médio da Di Giorgio, no entanto, será mais barato que um médio da Takamine. Então, pelo que entendi até agora, o que se compara são os menos bons da marca x com os menos bons da marca y, e assim sucessivamente com os médios, com os de primeira linha e tal. Ou um bonzíssimo da marca que não é a melhor, com um médio da marca que é das melhores, ambos na mesma faixa de preço? Entendi que isso também. Por exemplo: acontecer de um de categoria boazíssima da Crafter e um de categoria média da Martin terem quase o mesmo preço e qualidades comparáveis em vários aspectos. Daí, pelos imponderáveis fatores de preferências pessoais, que sempre entrarão nesse jogo, você conclui que gosta mais do da Crafter. Um exemplo de critério de preferência pessoal não universal para meu caso específico: porque o braço é mais fino, porque o som é menos estridente. Essa também seria uma possibilidade de comparabilidade. Isso se os códigos enigmáticos de cada marca permitissem que você identificasse essa gradação bottom-up dentro das respectivas marcas, claro. O que ainda está me parecendo um tanto difícil, confesso. Aí tem gente dizendo que não vale a pena um Takamine, a não ser que você esteja disposto a pagar os tubos por um top de linha, porque a diferença entre um Takamine médio e outras boas marcas tais e quais médias não chega a justificar a diferença de preço; mas tem gente dizendo que vale a pena sim, porque a marca Takamine “tem o melhor sistema de amplificação”, por causa das “ferragens de alta precisão na afinação” etc etc, e perguntando desafiadoramente “por que na maioria ou em todos CDs do Acústico MTV são usados só violões da Takamine”, hem hem? (ver este fórum de discussão aqui). 

Nesse fórum e noutras coisas da web fui me familiarizando com os nomes de algumas marcas: Takamine, Yamaha, Crafter, Cord, Tagima, Eagle, Taylor, Fender, Gibson… Meu conhecimento de marcas de violão era ridiculamente limitado a duas marcas nacionais, Di Giorgio e Giannini, que eu sequer diferenciava direito. Por exemplo, tive que ir olhar se meu próprio violão era Giannini ou Di Giorgio, porque, como ambos têm G maiúsculo no nome, sempre confundia. Essa tendência a confundir nomes que começam com a mesma letra talvez seja algum tipo especial de dislexia. Não é fácil. Já me fez confundir blog do Nassif com blog do Noblat. Enfim: há coisas que você pode fazer um papelão se um dia confundir por causa da letra inicial. Neste exato momento estou me esforçando para não confundir Takamine com Tagima, nem Martin com Maton ou Michael. Deve ser dislexia mesmo. Embora seja um caso talvez menos dramático que confundir Nassif com Noblat, o G maiúsculo compartilhado por Giannini e Di Giorgio não necessariamente aproxima essas duas marcas: a Di Giorgio aparece mais mencionada como marca boa ou razoável. Tem um post sobre boas marcas clicando aqui. A Di Giorgio aparece nele (que bom para o meu violão!) Giannini não aparece nele. Pode ser mero acaso, puro jogo de dados dos resultados das minhas próprias buscas. Pode ser que haja uma diferença considerável de qualidade entre Di Giorgio e Giannini neste momento histórico.

Di Giorgio e Giannini, provavelmente por serem de fabricação nacional, são aquelas marcas que você mais vê para comprar em lojas de móveis. E um luthier, no YouTube, é categórico: jamais compre um violão numa loja de móveis. Ele diz também que talvez seja melhor preferir violões com verniz sobre a madeira e evitar violões pintados, porque nestes últimos é mais difícil ver o que está por baixo: se tem rachaduras, emendas inconvenientes na madeira… Conselho útil para mim, que certamente espicharia o olho para um violão com tampo azul ou um violão todo preto. E jamais compre um violão pela internet, é outra dica dele. Pelo menos esse bom senso eu já tinha: sempre achei inconcebível comprar um violão pela internet. E de fato é assim. Porque, mesmo entre violões de mesma marca e código enigmático, pode haver diferenças: de acabamento final, de sonoridade… Recomendação importante é testar exatamente o instrumento que você está pensando em comprar. Gostou deste indivíduo-violão? Pois então, não cabe mandar buscar outro igual no estoque e levar sem olhar e testar tudo de novo no que desceu do estoque também, porque há grandes chances de não ser igual coisa nenhuma. Além dessas, o luthier do vídeo abaixo dá outras boas dicas de cuidados ao escolher um violão, sempre devidamente numa devida loja de instrumentos:





 A marca Di Giorgio então parece ser vista com certo respeito, dependendo do modelo, mas aparece mencionada principalmente quando se está falando de principiantes ou de quem não pretende gastar muito. Da Giannini, praticamente não vi menção, exceto a de alguém que diz que Giannini e Hofma “já eram”. Fico me perguntando se isso terá algo da viralatice de desvalorizar a priori marcas nacionais, mas, enfim, costumo ter em boa conta esses fóruns: já cheguei a uma excelente escolha de marca e modelo de gravador digital graças à santa paciência de varar a madrugada lendo as controvérsias de um fórum sobre qualidade de gravadores digitais. O vídeo logo abaixo recomenda um modelo de violão Havana da Di Giorgio para iniciantes, por ser bom e barato. Faixa de preço 400 reais (em fevereiro de 2010, atenção), para um modelo que é eletroacústico. De onde talvez possamos inferir que por menos que isso, pode ser roubada, seja a marca que for. Pelo menos para um eletroacústico.





No YouTube, tem gente dando destaque ao tipo de madeira, assim como tem gente dizendo que a madeira importa, clarissimamente, mas há certo grau de exagero em algumas discussões a respeito, porque mesmo músicos experientes e luthiers nem sempre ouvem todas as diferenças sutis do timbre entre tipos de madeira ou coisas do tipo, no caso de serem ambas boas para aquela parte do violão (porque tem madeiras adequadas para o tampo, madeiras adequadas para o braço e por aí vai… putz, acho que eu adoraria ser luthier, pensei). Tem de tudo e tem divergências sobre muita coisa na web. Gostei deste vídeo sobre madeiras. É uma informação técnica que eu não saberia considerar antes de vê-lo, mas é algo que pareceu mesmo interessante para ter uma ideia básica e poder prestar atenção:





Nas buscas, descobri ainda que Takamine é uma marca considerada especialmente boa. Ninguém questionava isso. O que aparecia questionado era em que casos valia a pena a relação custo-benefício, em comparação com marcas como, por exemplo, a Crafter Igualmente, a Yamaha tem violões que são bastante mencionados e favoravelmente mencionados nas coisas que li, considerando violões de fabricação em série mais facilmente encontrados em lojas de instumentos no Brasil (não estamos falando de luthierias aqui) – e, ao que parece, vendo preços em sites de lojas de instrumentos, os da Yamaha têm uma faixa de preços abaixo dos da Takamine. Gostei do som de um da Crafter, que aparece aqui. O HTC-24 EQ da Crafter parece reunir praticamente tudo o que eu fui concluindo que gostaria de características no violão, e a marca aparece como boa em vários comentários. Vi uns quantos vídeos de bons músicos com um Taylor, como este. Senti uma simpatia especial pelos da Taylor que vi nos vídeos, não sei se aí tem um componente subjetivo de associação com James Taylor. Olho e ouvido danados, porque tem lugar que dá a entender que são mais caros que os da Takamine. O site da PlayTech nem oferece essa marca. Esqueçamos os Taylor, pois? (E achei referências de preço para uns poucos modelos aqui. E aqui um Taylor de 7 mil reais. É…) Uns dias depois de fazer o post li este fórum aqui, sobre melhores marcas, em que predominam opiniões de que a Martin é a melhor (e mais cara). Alguns a colocam ao lado da Taylor. Um pouco menos frequentemente, a Gibson aparece incluída nessa lista: Martin, Taylor, Gibson. Takamine aparece considerada como um pouco abaixo destas três em qualidade e em faixa de preços. E o povo dos fóruns que li normalmente fala de violões de cordas de aço. É como se, para eles, corda de nylon fosse coisa restrita à música clássica ou a iniciantes… Curioso.

O que não falta no YouTube são vídeos sobre violão: como escolher o primeiro violão, dicas de violão bom e barato para iniciantes, se violão de série ou de luthier e quando (ex. aqui), amostras de som de diferentes violões (ex. aqui), amostras comparativas de sons entre duas marcas (ex. aqui um Takamine comparado com um Taylor), cuidados ao escolher um violão… Coisa interminavelmente infinita para quem não tem a vida inteira para dedicar à construção de critérios para comprar um violão que vai tocar amadoristicamente. Vi tanta coisa que quando quis achar de novo um vídeo com dica de um modelo da Yamaha nylon acústico, não tão caro e bom para iniciantes, parecia que nunca mais ia encontrar de novo o vídeo e desisti. Enfim, procurando outra coisa, reencontrei. É este abaixo: “Aprenda a comprar seu primeiro violão”. Cara, como seria comprar um violão, nessas minhas condições de tanta desinformação inicial, antes da existência da web, do Google, do YouTube? Nem quero imaginar.





Para mim, esse Yamaha acústico do vídeo não vai servir, infelizmente, porque já estabeleci pelo menos o seguinte critério: ser eletroacústico, ou seja, sendo acústico, ter também uma parafernália acoplada que permita ligar diretamente num amplificador, quando se queira. Acho que vou adotar também o critério de ser cutaway. Cutaway, aprendi nas buscas, é a palavra para designar aquela coisa que sempre achei interessante que é ter um corte perto do final do braço, como o de uma guitarra elétrica, para facilitar o acesso às notas mais agudas. Mas num fórum alguém confirma algo que eu suspeitava: esse ‘corte’ na caixa impacta no timbre. E a decisão final vai ficar para o momento de testar comparativamente modelos cutaway e não-cutaway, sentindo pessoalmente o som. Também pareceram animadores os violões que têm afinador junto com a parte elétrica. Os olhos brilharam com o Tagima Dallas, também no vídeo logo acima, apesar de a marca Tagima não ser das mais unânimes no fórum de discussão que mais me ajudou (alguns recomendam, alguns desdenham, em comparação com outras marcas), e depois vi o modelo Dallas sendo considerado de menor qualidade entre os da Tagima. Os olhos brilharam ainda mais com o EG 523 da Takamine, que é um jumbo, eletroacústico, cutaway. Não consegui ver o preço, porque onde estava bisbilhotando preços, o modelo, bastante bem avaliado por opinadores do site, está indisponível para venda (provavelmente esgotado por boa procura?), por isso não se informa quanto custaria. Opa, achei! Não custa uns 10 mil. “Só” uns 3 mil reais. Jizuiz. (Todos os meus pressupostos de caro e barato entraram em curto-circuito depois das buscas na web.) Boa ideia da variação de preços do mesmo violão aqui. Para este violão de por volta de 3 mil, a variação de preço entre diferentes lojas passa de mil reais, se é que é sempre o mesmo mesmo, porque vi pessoas falando de ‘Takamine japonês’ e especificações de ‘Takamine coreano’ em alguns desses sites de venda pela internet.

Só que o EG 523 da Takamine é para cordas de aço. Aí entra a dúvida talvez mais infernal, mas que não vai ter como driblar, porque se trata um ‘isto ou aquilo’ crucial, que dá a exata dimensão da minha tremenda ignorância sobre o assunto até então. É que o primeiríssimo critério é decidir se o violão será para cordas de aço ou de nylon. O meu Di Giorgio é clássico, para cordas de nylon. E aí estava o drama: alguém um dia me fez crer que dava na mesma, que eu podia colocar cordas de aço nele quando quisesse. E daí uma vez fiz isso. Por pouco tempo, porque achei o aço meio estridente prô meu gosto. Só que não dá na mesma. Provavelmente num vacilo desses foi que o braço empenou, e não apenas porque houve um tempo em que eu deixava descuidadamente na vertical, de cabeça para baixo (apoiado sobre o braço), coisa que também certamente não se deve fazer. Mas, sobretudo, NUNCA se colocam cordas de aço num violão para nylon, nunca se colocam cordas de nylon em violão para aço: eis um grande mandamento do violão. Eis meu erro fatal, a danação do braço. Muito injusto não ter sabido disso antes, alguém que, exceto por às vezes num passado remoto ter deixado em posição inadequada, trata sinceramente de cuidar bem de seu querido violão.








E eis aí, pois, um degrau complicado da futura compra: o que escolher, aço ou nylon? A maioria diz: nylon para iniciantes. Não sou iniciante, então o critério não me ajuda. Nylon para clássico, MPB e samba. Aço para, por exemplo, pop, rock e mesmo sertanejo. Nylon para dedilhados. Aço mais para acompanhamentos. Problema: gosto de tocar tudo isso. E o sujeito do vídeo acima diz que essas especificações, afinal, não são dogmas. Eu tinha para mim que gostava mais da sonoridade do nylon, por causa da certa estridência que ouço no aço (e ri quando vi chamarem essa estridência, mais elogiosamente do que eu, de “mais brilho”). Na minha percepção sonora, havia uma lógica assim: “Fio, ‘cê quer estridência? Ótimo. Pode ser lindo também. Mas vai de guitarra elétrica: pra que violão estridente?” E saquei que músicos que são grandes ídolos, como David Gilmour, provavelmente dariam uma solene banana para a minha lógica da estridência no violão. No mínimo, me mostrariam a língua com sincero desprezo. Parecia, afinal, que os músicos profissionais em música popular (e aqui quero dizer não-clássica, incluindo rock e blues, por exemplo) usavam predominantemente violões com cordas de aço. Tive que reconsiderar a teoria da estridência, portanto. E também reparei que o braço dos violões para aço parecem ser mais finos, e ter menos distância entre as cordas. Melhor para uma mão que não é muito grande, para uns dedos que não são muito longos. Prestando atenção em vídeos, para dar exemplos: David Gilmour (Pink Floyd) usa violão de cordas de aço aqui; Jimmy Page (Led Zeppelin) toca com cordas de aço aqui. Nos dois vídeos, tem bastante dedilhado. E com aço. Mas repare que não são dedilhados com os dedos, se é que isso faz sentido. Quero dizer: solos (não batida de acompanhamento), com cordas tocadas sequencial-individualmente, só que usando palheta. João Bosco parece usar nylon. E ó: Steve Hackett usa nylon aqui. Baita alívio: deu até medo de descobrir que “Horizons” era tocada com aço e eu nunca tinha notado. Vale o mesmo para Steve Howe: nylon aqui. Mas noutro vídeo pareceu que ele estava usando aço para “Mood for a Day”. Como pode? Porque… vamo combiná?, “Horizons” e “Mood for a Day” são música clássica. Claramente. ‘Tá: “Mood for a Day” tem algo de flamenco. Admito. Nossa, Steve Howe tocando Vivaldi aqui. Nylon. Ufa. E imagina se um dia não vou confundir Steve Hackett (Genesis) com Steve Howe (Yes). S e H em comum nas iniciais. Que perigo. Gente! E o Tobias Wilden, ídolo entre os talentos descobertos no YouTube, usa aço para cover do Nick Drake aqui. Percepção negativa de estridência no violão meio duvidosa a minha: nunca me pareceu estranho o som do violão do Tobias Wilden nos covers do Nick Drake. E dedilhando com os dedos (não com palheta). Olha que escândalo de lindo isto. Mesmo sendo estridente. Aço. Mas soa menos agudo que em outros casos. O tampo do violão é meio avermelhado: será mogno? O Tobia Wilden é a reencarnação do Nick Drake, tenho certeza. Mas quando ele faz os arranjos do Paulinho Nogueira para música brasileira (mais estilo clássico), usa nylon, tipo aqui. (Um admirado, o Tobias Wilden. Preciso fazer um post com vídeos dele uma hora dessas. Queria ter uns dedos assim longos e finos.) Interessante que ele diz ter começado com aço e só mais recentemente ter ido para algo mais clássico (que é quando usa nylon). Nylon também costumava ser o que eu acreditava ouvir mais na MPB, mas já nem tenho certeza, porque não sabia como ver essa diferença sem ver de perto as cordas. Na verdade, dá para ver só olhando para os violões, mesmo que mais ou menos de longe. Será que seria jogo ter um violão para aço e um para nylon, como se sugere num dos vídeos? Sei lá se quero ter dois violões. Não sei se meu amadorismo é para tanto.

Aí foi que me ocorreu um critério desempatador do aço vs. nylon. Critério talvez estranho, como algumas vezes são meus critérios finais nas dúvidas mais atrozes. Eu estava ouvindo um disco maravilhosamente perfeito do James Taylor. O James Taylor sempre me pareceu um excelente tocador de violão. Não é predominantemente um tocador de guitarra elétrica, como o David Gilmour me parece ser. James Taylor é um tocador de violão violão mesmo: não me lembro de vê-lo com uma guitarra em vez de um violão em vídeo nenhum. E o que ele faz me parece de um estilo a meio caminho entre rock, folk e MPB. “O que o James Taylor prefere talvez possa ser bom parâmetro para mim”. Uma coisa que aprendi graças a essa aventura pesquisatória foi finalmente diferenciar violão para nylon e para aço pelo visual, olhando o formato do suporte das tarraxas ao final do braço (parte do violão que se chama ‘cabeça’ ou ‘mão’, se você preferir prestar atenção nos nomes das partes aqui). E dá-lhe tentar descobrir, vendo vídeos e fotos do James Taylor, se os violões que ele costuma tocar têm cordas de nylon ou de aço. Aço, parece ser a resposta. Basta olhar para o braço, por exemplo, do violão na foto do início do post. E eu já devia ter sabido a resposta sem ver: é estridente… Ainda resta neste coração uma certa dorzinha, talvez pelo costume de longo tempo de tocar com cordas de nylon, mas no fim das contas, talvez eu escolha um violão para cordas de aço, e isso por causa do James Taylor. E aí trato de arranjar um luthier aqui na cidade para consertar o braço empenado do meu Di Giorgio para nylon e continuo com um para nylon também. Assim estamos. Desejem-me sorte nos demais critérios, paciência e bom senso nas visitas a lojas etc. Sei que vou precisar. Inclusive para não desistir de vez de comprar um violão novo no meio desse imbróglio. Amplexos e ósculos mercúrico-geminianos para quem improvavelmente tiver fôlego para chegar ao final deste post.

Para terminar, um vídeo bacana de uma luthieria interessante, a do Max Rosa:





PS: Incrível: na web tem a MARCA do violão do James Taylor. E mais nos links abaixo. Emoçaum!

Qual violão o James Taylor usa

Olson. The James Taylor signature models

Para quem gosta de James Taylor

James Taylor: algumas ‘aulas’ com o próprio em vídeo

PS2: Um músico, Paul Baloche, recomendando fazer o que eu estava pensando em fazer: respirar fundo, ficar umas duas horas numa loja com muita variedade (ou peregrinando pela Teordoro Sampaio) testando um monte de marcas e modelos até os vendedores me expulsarem e… não decidir no mesmo dia: ir para casa, pensar durante uns dias, voltar, fazer novo teste só com aqueles entre os quais você ficou em dúvida (e, se me conheço, vou continuar em dúvida entre alguns mesmo depois de uma semana pensando). O post é “Violão: dicas para comprar um instrumento”, clicando aqui. Algumas das minhas intuições até que são sensatas, sabe? Quanto à sugestão dele de levar junto algum amigo músico, vou ignorar, já que sou categoricamente contra qualquer forma de tortura. Imagine-se na posição de acompanhar alguém que vai ficar duas horas testando violões. Fala sério. Amizade tem limite. Mais vale o risco de não fazer a melhor escolha do que o de transformar amigos em inimigos. Outra coisa bacana é que ele traduz os nomes de dois tipos de madeira que são das mais usadas em violões: rosewood é jacarandá; engelmann spruce é pinho abeto.

PS3: Alá: eu com receio de ter dito alguma atrocidade do tipo confundir Nassif com Noblat ao qualificar o estilo do James Taylor como “a meio caminho entre rock, folk e MPB” , e a Wikipedia falando em “fusão gospel-country-rock” aqui. Até que cheguei bem perto, hem? Estilo salada, só que eu pus uma pitada de adaptação cultural, claro.

PS4: Aqui, Lulu Santos no MTV acústico. Violão lindo. Aço, como era de se esperar: Lulu Santos é mais guitarrista que tocador de violão. Bem com a cara e as características que eu ando apaixonando (o violão, bem entendido). Será que é Takamine como argumentava a pessoa do fórum sobre os violões dos acústicos da MTV, hem hem?


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Sobre Ani

Outros que contem passo por passo | Eu morro ontem | Nasço amanhã | Ando onde há espaço: | – Meu tempo é quando. ~Vinicius de Moraes~
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6 respostas para O violão do James Taylor

  1. Debora Alves disse:

    Observa o James Taylor, tocando steamroller blues, ele tem utilizado uma Fender Strato, nestes últimos anos. Valeu

  2. Ani disse:

    Uau! Que raio é isso? Violão? Guitarra?

  3. Ani, acho vc tão didática. Seus post sempre o são. O que é bem maneiro é como vc conduz sua didática. Sempre recheada de bom humor e também doçura.
    Qdo puder visite o canal da Adriana Calcanhotto https://www.youtube.com/user/acalcanhottoVEVO e observe seu violão e tocar maravilhoso.
    Tenho o seu dvd mais recente e de tanto admirar seu jeito de tocar (pois a voz já conhecia) é que decidi iniciar o aprendizado de violão (que sempre admirei) e já fiz algumas pesquisas. E também fui numa loja de instrumentos musicais e tal.
    Como iniciante fico com o Giannini de cordas de nylon, pois meu sobrinho que estuda violão na Escola de Música Villa Lobos o considera um bom violão para iniciantes. E mesmo sem nunca ter segurado num violão não consigo me ver abraçando um sem essa curvinha que vc mencionou.
    Agora o seu caso já é bem diferenciado. Por isso penso que para vc que tem já tem intimidade com um violão nada melhor do que comprar ao vivo e a cores. Vá, abrace-o largamente, experimente, sinta-o e boa sorte!!
    :))

    • Ani disse:

      Tenho o CD “A Fábrica do Poema” da Adriana Calcanhoto. É lindo. Você me diz qual é o modelo do Giannini que o seu sobrinho recomendou, por favor? Quem sabe não entra nos meus “testes”… Uma amiga de adolescência tinha um Giannini que eu gostava muito de tocar. Achava inclusive mais confortável para mim do que o meu Di Giorgio, que tem o braço muito grosso para o tamanho da minha mão.

    • Ani disse:

      Uia, bacana esse cover do Tim Maia, não?

      Sucesso na sua aprendizagem de violão, Denise. É muito boa a sensação de tocar um instrumento. Quando comecei, na adolescência, um amigo músico (pianista) ajudou bastante para que eu tivesse paciência – com os dedos marcados pelas cordas, que doíam, e tudo isso que com o tempo passa…-, dizendo que era assim e que “a pré-história é sempre mais longa”. E é isso mesmo. E essa paciência depois compensa. 🙂

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