Sobre o que é violência


violência galeano


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O QUE É VIOLÊNCIA
Gilson Antunes [1]
Para acessar o PDF, clique aqui.


Uma das maiores fontes de medo dentre a população brasileira, especialmente entre os jovens, é a violência. Segundo pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) [2], em 2010, 85% das brasileiras tem muito medo de assassinato, contra 71% dos brasileiros. Trata-se de uma atmosfera de medo, de pânico, diante da eventualidade (real) de se vivenciar uma situação violenta.

Sociologicamente, a violência é um produto da sociedade, de qualquer sociedade, em qualquer época. Enquanto fato sociológico, ela não é vista como um comportamento inato do homem, uma virtualidade prestes a irromper no indivíduo, mas como um fenômeno histórico e social, estando ligada à própria socialização das pessoas em determinados espaços sociais e culturais, sejam grupos ou totalidades mais amplas.

Sendo a violência um fenômeno social, a classificação dos atos em violentos ou não violentos varia de cultura para cultura, de período histórico para período histórico. Em Recife, capital do estado pernambucano, especificamente no bairro de Santo Amaro o projeto Políticas Locais de Prevenção da Violência tem como beneficiários os jovens moradores desta localidade. Percebe-se que, nesta região mais do que em outras, as pessoas se utilizam de expedientes violentos para resolverem conflitos, sem recorrerem à intermediação de autoridades constituídas (é muito conhecida a índole masculina, do cabra-macho, no sertão pernambucano). Por outro lado, certos grupos de jovens buscam afirmar sua identidade através da extrapolação da força física, ostentando valores como a virilidade, a coragem, a velocidade, o domínio pelo constrangimento e pela ameaça de agressão.

A temática da violência se insere no campo sociológico, enquanto reveladora de um aspecto, muitas vezes relegado, da dinâmica das sociedades. Como estudo das relações sociais, da interação entre indivíduos e coletividades sociais, a Sociologia, ao enfocar a violência, contribui para o desvelamento e a compreensão das teias constitutivas da intersubjetividade contemporânea.

Dentro do arcabouço teórico sociológico têm-se três níveis de explicação para a violência: o nível macro de explicação da violência que trata das condições gerais, a estrutura e a cultura; o nível micro de explicação da violência que é o nível psicológico ou das motivações, os indivíduos e as interações; e o nível intermediário dessa explicação que dá visibilidade ao funcionamento dos grupos e as instituições, as interações “estabilizadas” em que os indivíduos estão conectados.

Para Alba Zaluar [3] (1999), não é possível definir substantivamente a violência como positiva e boa, ou como destrutiva e má. Segundo a autora, “a questão é saber se existiriam valores não contextualizados, direitos fundamentais, valores universais, o que obrigaria a pensar a violência pelo lado dos limites que tais valores e direitos imporiam à liberdade individual ou coletiva.” (ZALUAR, 1999, p.8)

Violência e criminalidade são fenômenos complexos, pois várias causas estão ligadas a eles. As investigações científicas sobre a criminalidade dão visibilidade a fenômenos multicausais, pois são vários os fatores que interferem nas manifestações de atos violentos. Uma possível classificação dos principais determinantes destas manifestações é: fatores estruturais, fatores culturais, a influência das agências de controle da criminalidade e os fatores psicológicos [4].

No Brasil, os primeiros trabalhos na década de 70 que tratam a respeito de violência não estão alinhados com a temática da criminalidade. É só a partir da década de 80, com o destaque na mídia e a produção de pesquisas científicas que identificam o aumento da criminalidade que a violência é tema de pesquisas sociológicas sobre o crime, “quebrando a exclusividade de juristas e psiquiatras”. Esta década enfocava principalmente a violência legítima contra o Estado ilegítimo e ilegal, provocando a reflexão dos estudiosos e da sociedade civil sobre a continuidade com as práticas extralegais do período autoritário.

Contudo se tem algumas definições provisórias do que é violência. Dentre vários conceitos pode-se definir a violência, de uma forma genérica, da seguinte forma:

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (MICHAUD, 1989, p.11)[5]

Nessa definição ressalta-se o dano que a violência causa na pessoa, em várias dimensões de sua existência. Violência pode também significar a extrapolação da força física, como salienta Chesnais [6]: “Trata-se de uma ação direta, corporal, contra as pessoas, cuja vida, saúde e integridade corporal ou liberdade individual está em jogo” (CHESNAIS, 1981, p.12).

As manifestações de violência são heterogêneas, variam de acordo com os grupos e os espaços sociais. Neste sentido, pode-se afirmar, de acordo com estatísticas de criminalidade, que a vida de moradores de municípios metropolitanos de Pernambuco como Recife e Cabo de Santo Agostinho vale menos do que em municípios interioranos como Cacimbas ou em Angico, pois aqueles estão mais expostos a situações que envolvem atos violentos como homicídios, roubos, lesões corporais e agressões.

Como se manifesta a violência, sob quais formas? De acordo com o sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, em seu artigo “A cidadania dilacerada” (1993) [7], existem inúmeros tipos de violência, dentre os quais destaco: a) Violência política e do Estado: situa-se aqui a violência dirigida pelo Estado ou contra o Estado, verificável em ditaduras, movimentos revolucionários, terrorismos, guerrilhas; b) Violência costumeira ou difusa enquanto relação de estranhamento e esgarçamento das relações sociais, com quebra das regras de sociabilidade. Trata-se da violência cotidiana ou ordinária, do crime doméstico; c) Violência simbólica exercida através dos diversos discursos que negam o lugar do outro. Por exemplo, o discurso da “competência” veiculado no meio acadêmico e nas escolas, que exclui os outros saberes, especialmente os das classes populares; d) Violência como negação da condição humana e restrição dos direitos do cidadão, evidenciadas em situações como a fome, a miséria, a exclusão social e política.

Violência e criminalidade são fatos distintos. Nem todos os atos violentos são considerados crimes e nem todos os delitos se utilizam da ameaça ou concretização da agressão contra a vida ou a integridade física da pessoa. Mas, qual a diferença entre a violência e a criminalidade? Um ato transgressor se caracteriza pelo afrontamento das normas sociais aceitas como legítimas em uma dada sociedade ou grupo social, e se torna violento quando vem acompanhado da utilização da força física no sentido de causar dano a outrem numa situação conflituosa. Refere-se tanto ao ato quanto à ameaça de praticá-lo. Já o conceito de crime diz respeito àqueles atos que transgridem normas sociais, para os quais já está prevista uma sanção legal. Essa definição aproxima-se da acepção jurídica que diz:

…crime é toda ação ou omissão prevista em lei, ou que transgrida um direito estabelecido pela lei penal, resultando, pois, de definição da lei, que encontra no esquema legal o conteúdo explicativo, a razão determinante de uma conduta humana constituir infração penal sujeita a uma pena regulável. (Fundação João Pinheiro, 1987, p.99) [8]

O sujeito é efeito de uma conjuntura social e política. Neste sentido, as violências simbólica e difusa contra as mulheres, ou seja, quando as mulheres são vítimas, têm sido apresentadas à sociedade como um problema social extremamente relevante. No início da década de 80, as condições sociais vivenciadas por estas mulheres vítimas de violência simbólica e/ou difusa foram divulgadas, possibilitando a organização do movimento feminista em torno da construção de artigos, proposições e leis que pudessem estar na Constituição de 1988. Desde slogans como: “Quem ama não mata” e campanhas dentro do congresso nacional como o “Movimento do batom” criou-se um ambiente propício para a produção da Lei Maria da Penha em 2007.

Atualmente, a lei Maria da Penha ainda é tratada com certo descaso pelos operadores das agências de controle da criminalidade devido à incompreensão de que os problemas que atingem as mulheres são tão relevantes quanto os que atingem os homens. Contudo, já se percebe o avanço nos procedimentos democráticos referentes à renovação da cidadania, atualizada conforme as demandas dos grupos sociais que precisam sempre reforçar e relembrar situações de discriminação sofridas.

Encontrei o PDF deste texto em uma busca na web. Agora vejo que está disponibilizado na página do Projeto URBAL – Políticas Locais de Prevenção da Violência, com o título “Conceito de violência”.

[1] voltar Gilson Antunes é Assessor técnico do Projeto URBAL e Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco.
[2] voltar http://www.ipea.gov.br/portal/
[3] voltar ZALUAR, Alba. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. São Paulo em Perspectiva, 13(3), 1999.
[4] voltar Neste texto opta-se por somente citar os principais fatores que determinam as manifestações violentas. Num próximo texto pretende-se desenvolver com maior profundidade os referidos fatores.
[5] voltar MICHAUD, Y. A violência. Tradução L. Garcia. São Paulo, Editora Ática, 1989.
[6] voltar CHESNAIS, J.C. Histoire de la violence. Paris, 1981.
[7] voltar TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. A cidadania dilacerada. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.37, junho de 1993.
[8] voltar Site: http://www.fjp.mg.gov.br

Sobre Ani

Outros que contem passo por passo | Eu morro ontem | Nasço amanhã | Ando onde há espaço: | – Meu tempo é quando. ~Vinicius de Moraes~
Esse post foi publicado em Violências e marcado . Guardar link permanente.

Deixe um comentário