Romance de la luna, luna – Federico García Lorca


Parece haver alguma obviedade na preferência pelo “Romance de la luna, luna”, dentre os poema de Federico García Lorca. Pelo número de vídeos em que aparece musicado (em diferentes estilos) e declamado (ver seleção ao final do post), nota-se que chama mesmo a atenção. Ninguém no YouTube o declama como costumava imaginá-lo mentalmente, exceto no caso da moça que faz a leitura da tradução para o italiano (!) Uma das declamações em espanhol que mais agradou, embora tenha algumas trocas de palavras (“niño, déjame que juegue” e “tambor del llanto“), é a do primeiro vídeo. A declamação dramatizada de Berta Singerman é bem interessante, embora leituras de poema com esse tipo de impostação dramática normalmente não sejam minhas preferidas. Quem gostar, vai se divertir no YouTube: elas predominam lá. Melodias diferentes, em diferentes estilos musicais, foram colocadas no poema. Gostei de quase todas as que encontrei e a maioria está abaixo, exceto uma versão heavy metal que não suportei escutar muito além do começo para saber se era mesmo desse poema de Lorca. A versão com toque de bossa nova cantada por Ana Belém é um pouco estranha, mas interessante. Até onde sei, García Lorca musicou ele mesmo alguns de seus poemas, e tive alguma desconfiança de que pode ser dele mesmo o que ouvimos tocado por Paco Ibáñez, mas não passa de suspeita. “Romance de la luna, luna” faz parte do livro Romancero gitano, o que não é nada inesperado. Inesperado foi encontrar na edição bilíngue da obra poética completa de Federico García Lorca pela editora Martins Fontes algumas mancadas meio primárias na revisão do espanhol, como “ele” escrito várias vezes no lugar do artigo “el“. Resta torcer para que seja um descuido pontual nesse poema, não uma característica de toda a edição, do contrário terá sido uma boa iniciativa mal realizada. Seria uma pena.


ROMANCE DE LA LUNA, LUNA
Federico García Lorca

La luna vino a la fragua
con su polisón de nardos.
El niño la mira mira.
El niño la está mirando.

En el aire conmovido
mueve la luna sus brazos
y enseña, lúbrica y pura,
sus senos de duro estaño.

Huye luna, luna, luna.
Si vinieran los gitanos,
harían con tu corazón
collares y anillos blancos.

Niño, déjame que baile.
Cuando vengan los gitanos,
te encontrarán sobre el yunque
con los ojillos cerrados.

Huye luna, luna, luna,
que ya siento sus caballos.
Niño, déjame, no pises
mi blancor almidonado.

El jinete se acercaba
tocando el tambor del llano.
Dentro de la fragua el niño,
tiene los ojos cerrados.

Por el olivar venían,
bronce y sueño, los gitanos.
Las cabezas levantadas
y los ojos entornados.

¡Cómo canta la zumaya,
ay cómo canta en el árbol!
Por el cielo va la luna
con un niño de la mano.

Dentro de la fragua lloran,
dando gritos, los gitanos.
El aire la vela, vela.
El aire la está velando.

Declamado em espanhol “andaluz”

Declamado em italiano (e musicado em estilo flamenco depois)

Musicado: Camarón de la Isla

Musicado: Paco Ibañez

Declamado por Berta Singerman

Musicado: Ana Belén

Traduzido e musicado: Amelinha
Sugestão do Junior, em comentário ao post, outubro de 2012.

ROMANCE DA LUA LUA
(frevo)

Sobre a frágua veio a lua
com seus babados de renda.
O menino mira, mira.
O menino a está mirando.

No ar súbito, comovido,
a lua move seus braços
e mostra, lúbrica e pura,
os seios de duro estanho.

Foge, lua, lua, lua.
Se viessem os ciganos,

com teu coração fariam
anéis e colares brancos.

Oh, foge lua, lua, lua.
Quando vierem os ciganos,

te acharão sobre a bigorna,
com teus olhinhos fechados.

Foge, lua, lua, lua.
Que já sinto seus cavalos.
Deixa-me, filho, não pises
o meu alvor engomado.

Vinha perto o cavaleiro,
  o tambor do chão tocando.
E, dentro da frágua, o menino
tem seus olhinhos fechados.

Pelo oliveiral, bronze e sonho,
eles vinham, os ciganos.
As cabeças para cima
e os olhos sempre-cerrados.

Foge lua, lua, lua,

E dentro da frágua choram,

dando gritos os ciganos.
O ar da noite vela, vela.
O ar da noite está velando.

Ai!! Como canta a coruja,
como canta no galho!
Através do céu, a lua
vai o menino levando

Foge lua, lua, lua.

Dica do José, em comentário de 24 de março de 2014: “Romance da lua, lua” naquela versão gravada pela Amelinha, com flauta no arranjo. O bando do sol (1974) cantando a lua lua do Lorca. E estou supondo que a versão que a Amelinha gravou foi, na verdade, arte noturna desse bando solar. Coisa mais linda.



Aí aproveitamos para tentar saber mais de Flaviola e o Bando do Sol, que são pernambucanos. Fonte: Brazilian Nuggets.

Outro representante da geração nordestina pós-tropicalismo, que teve em Paêbirú, de Lula Côrtes e Zé Ramalho, sua expressão mais radical. Também pernambucano, Flaviola e o Bando do Sol gravou apenas um álbum, lançado pelo selo local Solar, em 1974. Com base em ritmos regionais, produziram um raro mix de folk-rock-psicodelia, que permanece com extrema atualidade. Instrumental rico, na base de violões, violas, guitarras, flautas e percussão.

Basicamente acústico, com uma poesia ímpar, o disco é mais um exemplo da energia, da vontade de criar algo novo, que abundava no Recife. Uma comparação com os ingleses de “The Incredible String Band” não é de todo absurda.

Participam do disco Flávio Lira (o Flaviola), Lula Côrtes, Pablo Raphael, Robertinho of Recife, e Zé da Flauta

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Sobre Ani

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9 respostas para Romance de la luna, luna – Federico García Lorca

  1. Assim como muitos artistas – e a obra Guernica, de Pablo Picasso -, durante o longo regime ditatorial do Generalíssimo Franco, suas obras foram consideradas clandestinas na Espanha.
    Com o fim do regime, e a volta do país à democracia, finalmente sua terra natal veio a render-lhe homenagens, sendo hoje considerado o maior autor espanhol desde Miguel de Cervantes. Lorca tornou-se o mais notável numa constelação de poetas surgidos durante a guerra, conhecida como “geração de 27”, alinhando-se entre os maiores poetas do século XX. Foi ainda um excelente pintor, compositor precoce e pianista. Sua música se reflete no ritmo e sonoridade de sua obra poética. Como dramaturgo, Lorca fez incursões no drama histórico e na farsa antes de obter sucesso com a tragédia. As três tragédias rurais passadas na Andaluzia, Bodas de Sangue (1933), Yerma (1934) e A Casa de Bernarda Alba (1936) asseguraram sua posição como grande dramaturgo.

  2. Junior disse:

    Excelente post – mas deixou de fora uma das versões musicais mais bonitas desse poema, “Romance da Lua, Lua”, frevo cantado por Amelinha. Forte abraço e parabéns!

    http://letras.mus.br/amelinha/588529/

  3. Junior disse:

    Ani, obrigado pela deferência – e pela referência também, hehehe… – e pela gentileza em me dar esa ótima dica. Na verdade, só conheci Lorca por curiosidade e por uma feliz coincidência: no Dia dos Pais do ano passado, a turminha do meu filho na escola cantou uma música da Amelinha que me encantou (“Foi Deus quem fez você”), eu xeretei na internet e acabei encontrando esse frevo. Fiquei curioso pela letra, e de site em site acabei parando no seu, com várias outras versões. Sobre poemas em espanhol, meu voto ainda vai para Neruda. Abração!

    • Ani disse:

      Eba, Junior, bem-vindo de volta. Não sou muito fã de Neruda no momento. Mas se você deixar aí uma sugestão convincente de poema dele, incluo aqui no blog, com a devida referência e deferência 🙂 Abraço grande.

  4. josé disse:

    sou um ávido leitor (mas não de poemas, confesso) e entusiasta da música, e ao procurar mais informações sobre esta belíssima interpretação da Amelinha descobri uma gravacao mais antiga de flaviola e o bando do sol, num clima bem bucólico que acho que tem tudo a ver com esse poema.

    • Ani disse:

      Lindo demais. Adorei a dica, já está incluída e provavelmente vire um post separado, com as duas gravações da versão em português. Muitos agradecimentos.

  5. Miranda disse:

    Ninguém canta melhor do que Carmen París… Puro sentimento!

  6. Para mim, a melhor versão musicada é a gravada por Amelinha. Esse frevo é insuperável.

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